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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

segunda-feira, abril 14, 2003
Carandiru

É um bom filme com qualidades e defeitos. As qualidades se evidenciam no elenco bem conduzido (estranhamente destacando os mais conhecidos como Rodrigo Santoro, Wagner Moura e Maria Luisa Mendonça por exemplo) e na feitura visual do filme (cenários, fotografia). Os defeitos que existem fazem ressaltar o principal na minha opinião: qual o objetivo do filme ou o que ele quer mostrar? Como era o cotidiano do Carandiru? A trajetória de um médico no presídio? Pois esses e outros motivos não soam convincentes. Mostra-se o cotidiano sim e apenas isso, não se vê em nenhum momento alguma espécie de crítica ao sistema carcerário, é até bem "elogiável" pelo aspecto livre das visitações, as atividades promovidas (saúde, Rita Cadillac, futebol, casamento) e o diretor compreensivo. O final por esse aspecto parece até nostálgico de um Carandiru que não existe mais, que só foi amaldiçoado pela polícia invadindo o local. Trajetória de um médico fica evidente que não é, ele é quase um figurante que passa pelas coisas mas não parece se transformar em nada, apenas observa e parece ter uma curiosidade mórbida de saber a história de cada um, apenas para conhecer, não para entender, rejeitar ou criar elos, pura curiosidade. Nem se questiona muito. Foi um filme que terminou e sinceramente me questionei: e aí? Tudo pareceu um grande entretenimento, com dramas e humores da vida de presos, cheio de causos. Isso via na reação da platéia também que não saia com algo sério para refletir.

Outras coisas soltas:

- o filme é do ponto de vista dos presos, isso é evidente, mas senti falta do resto dos funcionários do presídio e até os guardas, mas talvez isso só mostra o estado de abandono da coisa e acentuou para mim a necessidade de presídios com regime de trabalho. Carandiru por vezes soava como um campo de férias forçado e não um presídio (e isso nem é culpa do filme, pois acho que muitos outros presídios nacionais têm essa falta de controle dos presos).

- por que escolher personagens bem mais "inocentes" que "culpados" para mostrar suas histórias? Todos os mais vistos têm apaziguantes em seus crimes, justamente para não serem rejeitados pelo público. Claro que tem o personagem de Milton Gonçalves que brinca com isso falando que todos ali se dizem inocentes, mas faltou criar a simpatia pelos que têm crimes pesados em suas costas.

- por que salvar do massacre todos os personagens mais conhecidos e que a platéia se simpatizou? o massacre perde o impacto pois parece ter sido uma coisa para os outros, os presos anônimos que nem sabíamos nada, enquanto nossos "heróis" sobreviviam. Fica parecendo até que o massacre foi um bem, reduziu a população carcerária sem matar os "mocinhos" do filme. O garoto que lê a passagem da bíblia é um exemplo. Não criou-se nada nele para que sintamos sua angústia de ter sobrevivido a não ser o fato de que sua mãe o achar puro e pedir proteção. Fora que se arriscar para ler aquela carta soou falso demais.

- por que usar muitos atores conhecidos? tira muito do impacto da coisa, onde o público vai identificando cada novo ator a cada cena e assim o deixando mais tranquilo por ver ser um filme e que aquilo tudo é encenado e como cada personagem tem um mínimo de participação (picotada ainda por cima) só dois conseguem ter espaço para nos fazer esquecer que eles não são os personagens (Rodrigo Santoro e Wagner Moura). Por exemplo, o personagem Nego Preto é bem mais crível que o de Milton Gonçalves justamente por esse ser conhecido. Floriano Peixoto é um que nem parece pertencer ao Carandiru, mas sim um turista acidental. O pior caso creio ser o do diretor, Antonio Grassi, tirando a força do personagem. Apesar disso alguns dos "conhecidos" conseguem ótimos desempenhos como Enrique Diaz e os já citados acima.

- a cena da conversão religiosa de Peixeira se deve muito ao ator, pois todos os outros da cena (os evangélicos) estão fracos, o que faz a cena ser ambígua (seria essa a intenção?) como se tirasse sarro do ridículo da coisa. pelo ator fiquei mais comovido que achei graça.

- a atriz que faz a Francineide me fez lembrar muito a Marina Person, como se fosse uma irmã mais nova.

- as cenas fora do Carandiru não sei porque soam encenadas demais, isso porque é um relato fantasioso de cada preso?

- a metragem poderia ser maior para dar mais tempo aos vários personagens se desenvolverem ou então ter reduzido esse número; só não salva o personagem do médico que realmente é deixado de lado mesmo.

- a presença de Rita Cadillac é ótima e só me fez ver o grande trabalho social dela, por mais estranho que isso possa parecer, uma boa homenagem a ela ser registrada para o filme.

- a polícia ao final é a maior caricatura do filme.

- eu achei de extrema ironia uma superprodução ter uma das suas mais belas cenas realizada sem a necessidade desse orçamento: o hino cantando pelos presidiários; simples, apenas focalizando todos cantando e simbolizando um país inteiro.

Bom, tem muito mais coisas que no momento não lembro ou não estou querendo escrever. Só fica pra mim mais uma vez a impressão que faltou algo que unisse com mais força o filme todo, sua motivação principal. Crítica ao sistema carcerário não é. Trajetória de um médico no presídio não é. Crítica ao massacre do Carandiru não é. Crítica ao próprio Carandiru não é (como disse o final soa nostálgico). Humanização dos presos? Bom, isso até um filme ruim como À Espera De Um Milagre faz. Falando nisso acho o processo dos personagens de Sean Penn e Susan Sarandon bem mais forte em Os Últimos Passos De Um Homem, mas aí fala-se de pena de morte. Voltando ao Carandiru não senti a força do filme ao final como se sentia nos filmes anteriores de Babenco como Pixote, Lúcio Flávio, etc.


posted by RENATO DOHO 2:52 AM
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