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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

segunda-feira, janeiro 19, 2004
4.48 Psicose



Para falar dessa peça é preciso primeiro localizá-la. Foi encenada no subsolo do Sesc Belenzinho, num tanque-poço de acesso único por meio de uma escada caracol e lá dentro com poucas cadeiras (menos de 60) em círculo estão os dois atores no meio. Imagens projetadas nas paredes do poço e som que rodeia o público. Com esse cenário a peça de Sarah Kane (um dos grandes nomes do teatro moderno) foi representada. Essa peça é na verdade um monólogo e ficou famosa no começo do ano passado quando Isabelle Huppert veio ao Brasil encená-la. Na versão francesa era apenas a personagem imóvel falando durante toda a peça, com poucos movimentos de braços e o perfil revelado apenas por um instante, o resto do tempo a atriz estava envolta em luzes e escuridão, imagens de seu subconsciente passavam pelo cenário. Na adaptação que o jornalista Nelson De Sá realizou dois atores (um casal) interpretam um mesmo personagem, mas também podem representar o relacionamento entre doente e médico e/ou de amantes.

A "trama" seria os pensamentos da protagonista num surto psicótico, com idéias suicidas. Todos os questionamentos são abertos e expostos. Luciana Vendramini e Luiz Päetow são os intérpretes. Os dois têm atuações ótimas. Luiz que não conhecia é uma revelação e Luciana surpreende tanto pela interpretação ideal (monocórdica, quase sem emoção como se num estado dormente, psicótico) como pelo fato de sua história de vida ter muitos pontos de contato com o texto da peça. Percebe-se claramente o quanto há de pessoal em sua entrega.

Os atores rastejam, rolam, andam e se mutilam aos olhos do público. As informações são muitas, as relações do que se fala com o que se mostra nas paredes, a música e os ruídos, os rabiscos no chão, as repetições de falas e as constantes contradições do texto fazem com que entremos no estado desejado pela autora. É uma peça que tem que ser revista para captar detalhes não percebidos na primeira impressão.

O 4.48 se refere a um dado de que esse horário é o mais comum para o suicídio (e também a soma dos números dá 7, a totalidade), e é nesse horário que há a lucidez da personagem. Lucidez que dá ao suícidio um caminho a ser explorado. Sarah Kane, a autora, se suicidou logo após escrever essa peça.

No programa da peça há pequenos textos de Sarah e sobre o suicídio de livros como "O Demônio Do Meio Dia" e "The Suicidal Mind" e personalidades como Harold Pinter, Nietzsche e até o Unabomber. Num dos textos diz que se poderia fazer uma tese em cima das referências de letras de canções que Sarah Kane colocou em suas peças de bandas como Joy Division, Radiohead, Tindersticks, Pixies, etcs.

Num tom mais pessoal foi uma experiência diferente de teatro, mais íntima pela proximidade com os atores, a ausência de um palco. E a chance de ver o talento e beleza de Luciana Vendramini tão de perto, tornando tudo memorável.


posted by RENATO DOHO 12:53 AM
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