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"Sometimes meaningless gestures are all we have"

quarta-feira, novembro 08, 2006
Mostra Internacional De Cinema De São Paulo 2006

Esse ano não pude comprar pacote então fui nos últimos dias para tentar ver ao menos algumas coisas. Com isso deixei de ver alguns filmes que gostaria, mas passaram apenas no começo (Mary, O Crocodilo, O Céu De Suely, o do Tsai Ming–Liang, Shortbus, etcs). O que deu pra perceber é que a Mostra não foi feita para o público comum. Filas imensas logo antes dos cinemas abrirem que se não são pêgas no início logo esgotam os ingressos para as sessões umas 5 horas antes. Com isso nada de se programar, é ver o que estiver disponível. Ou se conseguir ingresso para uma sessão a tentação é comprar pra outra a seguir já que foi tanto tempo na fila só pra comprar 1 ingresso, imagine enfrentar outra fila em outro cinema?! Lição aprendida: sem pacote = sem Mostra.

Não vi um filme que me impressionasse tanto quanto nos anos anteriores que sempre tinham um ou dois para compensar todo o resto. Mas também não vi um péssimo, o que é mais comum ver quando se arrisca tendo pacote na mão.

Acompanho a Mostra com mais fervor desde 2001, ano que devo ter adquirido meu primeiro pacote, antes, no máximo, via uns poucos filmes da seleção. Não vi grandes mudanças nesse tempo. O que pode ser uma qualidade pela constância também mostra uma certa imobilidade para mudar. Os catálogos não mudaram quase nada. Os guias de programação também. A central também pouco mudou. As filas continuam aumentando. Ainda há problemas com a legendagem eletrônica (será que não há inovação nessa área?). Os monitores pouco ajudam na prática, deveriam ter mais autonomia, mas são dependentes dos funcionários oficiais dos cinemas selecionados. Por que não contratar pessoas para lidar com a bilheteria (separada da bilheteria do cinema) já que os funcionários do cinema quase nunca sabem informar algo? E uma separação para compras de ingressos para sessões que estão para começar das que só ocorrerão mais tarde, não é uma reclamação constante que não resulta em mudança alguma?

É de se perguntar por que do preço exagerado do livro sobre os 30 anos da Mostra escrito pelo Leon Cakoff. Caso fosse pela Cosac & Naify dava pra entender já que a editora tem o costume de lançar livros de luxo e muito caros, mas o livro foi lançado pela Imprensa Oficial e deveria seguir o exemplo da coleção Aplauso que consegue trazer bons livros por preços acessíveis (9 reais os pequenos e os maiores por 18). E qual é o preço do livro do Cakoff? 50 reais! Na verdade é 60, 50 era o preço “promocional”. Apesar do interesse pela leitura o preço desestimula de imediato. Sinceramente não vale. Mais um pouco e o mesmo valor dá para adquirir um belo livro importado de luxo. Pela fila dos que esperavam o autógrafo do Cakoff no livro deu pra ter uma idéia de quem comprou e comprará o mesmo: poucos privilegiados.

Os poucos filmes que vi:

Belle Toujours – Sempre Bela (Belle Toujours) ••••

Manuel De Oiiveira, 97 anos e com uma vivacidade cinematográfica incrível. Toda a cena do jantar é maravilhosa, incluindo o aceno para Buñuel.

Síndromes E Um Século (Sang Sattawat) ••••

Estrutura semelhante ao Mal Dos Trópicos. Impressões e sensações mais do que narrativas. Um retorno ou um recomeço. Depois fui saber que muito vêm das memórias do diretor. Mais para o final cenas extraordinárias que não dá pra explicar, como a do cano do exaustor ou da velhinha olhando para nós (eu queria até que o filme terminasse ali).

Leonard Cohen – I’m Your Man (Idem) ••••

Fãs do Cohen não tem como não gostar. Vemos um show em sua homenagem com gente como Rufus e Martha Wainwright, Nick Cave, Teddy Thompson, Jarvis Cocker, Beth Orton, The Handsome Family, Perla Batalla, Julie Christensen e outros cantando as famosas canções de Cohen. Entre cada apresentação sabemos mais do próprio Cohen sobre sua vida, seu trabalho, sua passagem pelo budismo, sua forma de escrever e outros assuntos que soam (The Edge diz algo parecido) como se fossem proferidas pelo próprio Deus para nós, simples mortais. Naquela voz há tanta sabedoria e experiência que até dá arrepios. Ao final, Cohen canta uma canção e meio como convidados especiais o U2 é a banda de apoio dele (a apresentação é separada do show). Ver e ouvir isso numa tela de cinema não tem comparação. Não fãs não sei como reagiriam diante do filme. A trilha sonora vale ser adquirida.

Juventude Em Marcha (Idem) •••1/2

Muito bom o filme de Pedro Costa, só faltou algo a mais que esperava encontrar como aquele começo espetacular. As câmeras fixas, as relações familiares e as cenas em interiores me fizeram lembrar um pouco de Ozu. Só que Costa dá um tom mais de aprisionamento com seus enquadramentos (já Ozu evocava outras sensações). A língua dos personagens nem parece o português que estamos acostumados.

Edmond (Idem) •••1/2

Um típico filme de David Mamet, sem ser sua direção. A jornada do personagem de William H. Macey parece deslocada, atrapalhada e cheia de erros e ódios, mas dá pra entender tudo com aquele final, aquele visual, o que ele se torna na prisão explica e ironiza muitas das posições e atitudes que o personagem tomou durante a narrativa.

O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias •••1/2

Um trabalho muito legal do Cao Hamburger sobre o passado, a infância e a história. Cao revela bom gosto na escolha das atrizes, seja a garotinha amiga do protagonista ou a mãe ou a garçonete do bar. Há uma falta de cartase lá pro final que é até encenada (a volta do velho, vindo da polícia), mas só o fato dele estar no apartamento e não na entrada corta a emoção que ia num crescendo com o moleque caminhando pela rua. O corte mata todo o sentimento, aí o abraço final soa fraco, montado.

Paris, Te Amo (Paris, Je T’Aime) •••

Se eu falar que é irregular não passa de obviedade. Achava que seria na maioria uma visão romântica de Paris, com curtas sobre o amor. Mas não vi exatamente isso, vi mais é uma liberdade em abordar o assunto que cada diretor queria trabalhar. Uma qualidade é a grande quantidade de cineastas envolvidos, fazendo com que os curtas tivessem pouca duração, assim não deixando que algum segmento mais fraco prejudicasse o todo, pois logo acabaria para a exibição de outro.

Pela ordem de exibição:

Montmartre, de Bruno Podalydès •• - sem graça
Quais de Seine, de Gurinder Chadha ••• - depois soube que é a diretora de Bend It Like Beckham, por isso a boa química dos dois jovens atores
Le Marais, de Gus Van Sant ••1/2 - uma leve decepção
Tuileries, de Ethan Coen & Joel Coen •••• - um dos melhores, bem engraçado, trabalhando bem esteriótipos e com um excelente ritmo
Loin du 16ème, de Walter Salles & Daniela Thomas ••1/2 - mesmo tendo Catalina Sandino Moreno achei mais ou menos
Porte de Choisy, de Christopher Doyle ••1/2 - bem, é inusitado...
Bastille, de Isabel Coixet ••1/2 - se fosse maior poderia ser mais trabalhado
Place des Victoires, de Nobuhiro Suwa •••1/2 - me convenceu da metade pro fim, com a Juliette Binoche mais uma vez triste
Tour Eiffel, de Sylvain Chomet ••• - parece um comercial bem humorado extendido
Parc Monceau, de Alfonso Cuarón ••1/2 - plano sequência com Nick Nolte e Ludivine Sagnier, mas parece uma piada filmada, com uma surpresinha sem graça no final, nem a Ludivine aparece de perto pra compensar...
Quartier des Enfants Rouges, de Olivier Assayas •••• - ótimo! filmagem, romance, drogas, Maggie Gyllenhaal, Assayas!
Place des Fêtes, de Oliver Schmitz ••• - o que tem mais cara de ser crítico
Pigalle, de Richard LaGravenese •• - mesmo com Fanny Ardant e Bob Hoskins é só regular
Quartier de la Madeleine, de Vincenzo Natali •••• - uma surpresa muito boa, um terror com Elijah Wood e com um ótimo final, o diretor é o de Cubo
Père-Lachaise, de Wes Craven ••1/2 - um pouco bobo, com fantasma de Oscar Wilde sendo interpretado por Alexander Payne!
Faubourg Saint-Denis, de Tom Tykwer •••1/2 - um bom resumão de romance entre um cego e uma atriz com a sempre cativante Natalie Portman
Quartier Latin, de Frédéric Auburtin & Gérard Depardieu ••1/2 - vale só pelo encontro de Gena Rowlands e Ben Gazzara
14th arrondissement, de Alexander Payne •••• - tem um quê de Schmidt no curta, mas Payne contorna isso e faz um belo trabalho mostrando uma ótima Margo Martindale, fica na linha tênue entre a ridicularização do personagem (uma americana obesa, falando um francês fraco e bem simplória, visitando Paris) e a valorização de seus sentimentos

A Última Noite (A Prairie Home Companion) •••

Um bom e típico Altman com vários atores, diversas ações paralelas e um humor nem sempre na mesma linha (uma hora pode ser refinado e sutil, outra pode ser grosso e pastelão). Boas performances tanto de interpretação quanto musicais. Acho que só faltou mesmo algumas canções mais significativas no repertório, para mostrar mais a riqueza da música country (algumas personalidades do meio poderiam ter feito mais participações especiais, incluindo nas composições).

O Homem Duplo (A Scanner Darkly) ••1/2

Muito parecido com Waking Life, só que aqui mais cansativo pois a trama só engrena mesmo perto do final, e quando a trama fica interessante acaba. Todo o resto parece um falatório dispensável sobre pouca coisa de importância. Poderia ter sido apresentado como filme mesmo ao invés de animação.

Wal Mart – O Alto Custo Do Preço Baixo (Wal Mart – The High Cost Of Low Price) ••1/2

Vale mais pelo que mostra e discute e menos pela apresentação visual que é feia, com muita coisa tirada de vídeo, tv e filmada sem muito cuidado. O produtor se encontrava na sessão. Não ficaram só nos EUA, mas também gravaram na Inglaterra, China e outros países. Ex-funcionários é que mais dão depoimentos das condições de trabalho na Wal Mart. Faltou um pouco mais da história da rede, ficamos sabendo mais, por exemplo, do pequeno negócio de família de uma cidade que recebeu o Wal Mart do que toda a construção do império. Poderia ter mais gente gabaritada dando entrevistas também, para não soar como se fosse apenas um bando de desconhecidos reclamando da toda poderosa. A maior curiosidade é conhecer as táticas que a empresa utiliza com seus funcionários, seus clientes e fornecedores para conseguir ser uma das grandes do mercado (se não me engano a maior em sua área de atuação). Obviamente que a desculpa principal que a empresa pode alegar (mas o documentário não enfatiza muito) é de proporcionar preços muito baratos para seus clientes (o que justifica o subtítulo do filme). Um aspecto que não ligava e achei importante foi a parte que denuncia o total descaso com a segurança dos clientes nos estacionamentos da rede, várias reportagens e casos são apresentados e somente depois de um tempo que algumas medidas foram tomadas. Há também a exibição de lutas populares contra a Wal Mart, com significativas vitórias em vários locais. Aqui no Brasil seria curioso se pegassem Casas Bahia, Extra e Rede Globo para documentários na mesma linha.


posted by RENATO DOHO 12:40 AM
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